Sempre que imaginamos um trabalho ou competição em percurso com subidas e descidas, a imagem do sofrimento durante os aclives praticamente nos faz esquecer dos declives existentes. As dores musculares nos dias que se seguem são marcas das dificuldades que passamos. Porém, erradamente, muitos acham que estas dores são conseqüência do esforço realizado nas subidas, negligenciando quase que completamente a relação entre a dor muscular e as descidas.
Claro que sabemos da importância do treinamento de subidas, já que estas preparam os músculos para corrermos mais rápido, sem, contudo, representar um trabalho anaeróbico. Grandes treinadores advogam a importância deste tipo de treinamento, sendo que muitos chegam mesmo a afirmar que tal trabalho é o único de resistência que traz benefícios para os corredores, tornando-os mais fortes e capazes de se sair bem em qualquer tipo de percurso, uma vez que haverá um fortalecimento da musculatura específica da corrida.
A importância de treinar em subidas é uma unanimidade entre atletas e treinadores, mas e as descidas? Qual o seu real valor? Será que podemos tirar algum benefício delas?
Equilíbrio e muita coragem
Bill Squires, técnico do Bill Rodgers, Alberto Salazar e outros, é bem explícito em suas posições, quando diz : ” Correr subindo exige ciência, porém descendo exige arte, já que para ser feito corretamente quase não se necessita de força, mas de dois outros aspectos importantes, que são um excelente senso de equilíbrio e coragem, muita coragem. Em outras palavras, para se descer bem é preciso uma grande dose de autoconfiança”.
Exemplo atual do desenvolvimento dessa capacidade são os quenianos, dominadores das provas de fundo nas ruas, pistas e cross-country. Durante um período específico, os mesmos prucuram treinar em ladeiras, nos planaltos do Quênia para só então iniciar o trabalho de polimento nas pistas. Os resultados dizem tudo.
A idéia de que toda energia utilizada para atingirmos o topo será recompensada durante o percurso de descida é uma teoria que póde ser aplicada para o ciclismo, onde a gravidade faz todo o trabalho. Mas não vale para a corrida, pois apesar da ação gravitacional realizar boa parte do trabalho, se não mexermos as pernas cairemos.
Ao corrermos em descida o impacto sobre os músculos é enorme, daí a tendência a frearmos e é exatamente aí que o trabalho muscular torna-se intenso, com grande gasto energètico. É um erro pensarmos que não se gasta energia nesta fase.
Maior choque nas descidas
Na verdade, a tensão desenvolvida sobre a musculatura para resistir à gravidade é enorme. Os músculos tendem a encurtar-se, mas literalmente são “repuxados”, e, em consequência, os tecidos de colágeno que revestem as fibras musculares como “capas” são rasgados e seus fragmentos caem na circulação e irritam nervos, causando as dores.
Contudo, antes que você desista das descidas é importante saber que estas microlesões musculares não são permanentes e apesar do desconforto, das dores e do prejuízo da quebra da continuidade dos treinos, a adptação a este tipo de trabalho faz com que estes danos tornem-se cada vez menores e consequentemente cada vez menos teremos dores musculares. Em outras palavras, devemos treinar os músculos para que estejam preparados para se contraírem de forma excêntrica, em oposição a outra forma de contração muscular, que é denominada concêntrica.
Risco de microlesões
Na verdade devemos “ensinar” nosso sistema nervoso a distribuir de forma mais eficiente as forças de impacto que recebemos, já que com mais fibras musculares envolvidas no processo, o trauma individual de cada fibra ficará reduzido e consequentemente será menor o risco de microlesões ou até de problemas mais extensos.
A chave para evitar, ou pelo menos atenuar, as dores musculares está em treinar-se para tal. Por exemplo, uma vez por semana corre-se de 10 a 15 minutos em declives; caso não se encontre uma descida que permita correr este tempo continuamente, repete-se várias vezes em descidas curtas até atingir-se o tempo.
Inicialmente procurar correr de forma relaxada, sem preocupações com o ritmo. Com o passar dos dias, este tipo de treino deverá ser realizado de uma a duas vezes por semana no máximo, intensificando-se o ritmo e aumentando a duração até que se atinja 20 minutos corridos em velocidade de competição. Deste modo ficamos protegidos de futuras dores musculares severas e desagradáveis.
Benefício para o plano ?
Mas e em relação a percursos planos; o treino em descidas irá trazer algum benefício ? É um tema de certa forma polêmico. Vários atletas relatam grandes reduções nas dores musculares após competições realizadas em percursos planos, em comparação com a sensação de quando não treinaram desta forma. No entanto, ainda não se provou a “verdade científica”. O que se sabe, comprovadamente, é que há uma menor “quebra” muscular quando utilizados percursos semelhantes, mas a correlação descidas-benefícios no plano ainda está se pesquisando.
Márcia Moreira Ferreira
[facebook]