Com um sorriso de menina, já pensando na distância da prova que irá realizar amanhã, na Cidade do Cabo, África do Sul, a carioca Lady Uchoa afirma:
— Completo 56 anos no fim do mês. Portanto, é um quilômetro por cada ano de vida.
Realizado no extremo do continente africano, a Two Oceans é um desafio de 56km. Faz sentido, já que o início da prova beira parte do Oceano Atlântico e a segunda metade contorna o Índico.
Corridas de longas distâncias não são uma novidade para Lady, que já tem algumas maratonas na bagagem. A primeira delas foi no Rio, no início dos anos 80, quando a tradicional prova era cheia de idas e vindas, com largada e chegada no Leme. Primeiro, os corredores seguiam até a Perimetral. Depois, voltavam para ir até o início da Avenida Niemeyer, no Leblon. Apesar da experiência, esta será a primeira vez que ela romperá a barreira dos 42km.
— Sempre tive vontade de participar da Comrade, a prova mais famosa da África do Sul, que inverte o caminho a cada ano. O problema é que ela tem 89km. É muito para mim ainda — revela Lady, explicando como surgiu a ideia de participar da Two Oceans. — Estava no avião, voltando da Maratona de Berlim, quando li sobre esta prova de 56km. Vi na hora que era meu número. Deixei essa ideia no ar da assessoria esportiva que eu faço parte e o pessoal gostou.
A prova em Berlim foi no ano passado. Tempo suficiente para Lady juntar um dinheiro. Sua empolgação com o desafio contagiou Gian Ramalho, de 32 anos. Sem a experiência internacional de Lady, que já completou cinco Maratonas de Nova York, o engenheiro fez sua primeira corrida fora do Brasil na Maratona de Paris, no ano passado.
— Adorei a experiência. Viajar para correr é algo único. Além da energia positiva do pessoal que vai junto, essas provas permitem olhar a cidade de ângulos que não seriam possíveis em passeios turísticos tradicionais — exalta o engenheiro, com uma nova visão sobre os 30 dias de folga. — Depois de competir em Paris, eu resolvi que dedicaria parte das minhas férias anuais para correr fora do país. No fim do ano, quero correr a Maratona de Honolulu, no Havaí.
Gian também nunca rompeu a barreira dos 42km. Em relação a ansiedade pré-prova, os parceiros de assessoria esportiva são iguais. Ambos sofrem bastante. Quanto à previsão climática, existe discordância. Enquanto o engenheiro torce para encontrar um sol forte igual ao de Honolulu, Lady não esconde sua preferência por um clima mais frio, como o de Nova York.
Como preparação para a prova, os dois apostaram nas ladeiras carioca: Horto, Paineiras, Mesa do Imperador e outras. Ambos também esperam um prova bem parecida com a Maratona do Rio, já que o percurso beira o mar, em sua maior parte.
— Pelas imagens, imagino que o percurso seja bem parecida com o Rio de Janeiro. Tem uma foto na qual os corredores estão subindo uma ladeira, com o mar ao lado. Lembra demais a Avenida Niemeyer — conta Lady, que não entendeu muito bem o percurso. — O mapa é bem confuso!
A Two Oceans é tradicional e conta parte da história de um país marcado pela segregação racial. A primeira edição aconteceu em 1970. Somente em 1974 os negros conquistaram o direito de participar do evento, apesar da ordem do então Ministro dos Esportes, Dr P G J Koornhof, de que os grupos de peles diferentes não poderiam se misturar durante o percurso. O que foi singelamente ignorado pelos participantes, que correram ao lado do enfermeiro George “Goodenough” Qokweni e mais oito negros de um clube de atletismo. No ano seguinte, Gabashane Vincent Rakabaele tornou-se o primeiro negro a vencer o desafio, com o tempo de 3h18m05.
A prova de 56km é a mais longa do evento, que também realizará a meia maratona e corridas de trilhas (10km e 22km), e competições infantis.
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